“A instrumentalização do
indivíduo à tutela do taylorismo médico-hospitalar transforma o
paciente em consumidor”
(Gilberto Dupas)
No menor tempo possível,
utilizando-se de variados meios, busca-se a tão desejada e almejada
cura para determinada enfermidade. A medicina passou a ser comparada
com atividades ligadas à engenharia, à técnica, buscando alcançar
o menor custo-benefício. A era da economia globalizada alcançou a
área da saúde, onde muitas vezes, o paciente passa a ser
considerado cliente.
Uma parte muito interessante do
livro “O mito do progresso ou progresso como ideologia”, de
Gilberto Dupas, trata da mercantilização da saúde. Em determinado
trecho, o autor aborda o caso da Inglaterra, demostrando como o
neoliberalismo afetou a saúde pública, conduzindo-a para um buraco,
do ponto de vista de eficiência e objetividade para com o
atendimento às necessidades da população. Vamos, resumidamente,
apresentar tal situação. Até 1990, o Serviço Nacional de Saúde
(NHS), da Inglaterra, era muito bem-sucedido. Era um sistema barato,
empregava uma grande quantidade de trabalhadores e atendia às
necessidades da população, disponibilizando consultas, exames e
vários medicamentos sem custo algum para as pessoas. Os fornecedores
principais eram abrigados ao NHS. No entanto, o NHS era um entrave
para o projeto neoliberal, pois este era o comprador principal de
remédios, equipamentos e outros suprimentos médicos, podendo impor
duras negociações aos fornecedores. Em 1982, alguns serviços
hospitalares básicos, como limpeza, alimentação, lavanderia e
exames de patologia, começaram a ser terceirizados. O NHS começou a
reduzir os serviços. Diminuíram o número de funcionários.
Sobrecarregou-se os enfermeiros. O pessoal de apoio foi transferido
para empresas externas, com redução de salário. A população
passou a ter limitação para alguns serviços, como tratamento
dentário. Exames de vistas regulares não eram mais realizados pelo
NHS e os óculos para crianças passaram a ser pagos. “A
deterioração dos serviços acabou estimulando o interesse pela
assistência médica privada e levou à rápida expansão do seguro
médico privado”. (DUPAS, 2012, p.194).
O caso da Inglaterra, relatado
anteriormente, não difere muito do Brasil. O neoliberalismo da
década de 1990 também afetou o sistema de saúde de nosso país. O
nosso Sistema Único de Saúde (SUS) deixa muito a desejar, por esse
motivo, também no Brasil, foram muito difundidos os programas de
assistência médica privada, os planos de saúde, visando um melhor
atendimento das pessoas, quando as mesmas, porventura, vierem a
necessitar. Por que muitos indivíduos optam por pagaram um plano de
saúde? Porque o SUS não cumpre sua função. E por que o SUS não
cumpre sua função? Por que foi contaminado pelo neoliberalismo e o
capitalismo consegue lucros exorbitantes por meio de tratamentos de
saúde.
Além do mais, é uma triste
realidade ter que admitir que, em muitos casos, determinados médicos
diferem suas consultas, dando maior atenção ao paciente quando este
está pagando uma consulta particular ou quando possui um plano
privado de saúde. “As consultas médicas duram alguns minutos,
transmitem-se em segundos informações sobre exames, muitas vezes
graves e avassaladoras”. (DUPAS, 2012, p.209). Isso é o resultado
da infecção causada pelo neoliberalismo no Brasil e no mundo. Em
muitos casos essa situação chega ao extremo, e muitas vezes, por
conta da negligência médica, pacientes acabam entrando em óbito,
sejam estes, crianças, jovens, adultos ou idosos, fazendo com que
suas famílias tenham de suportar a pior dor que pode existir, a dor
de perder um ente querido. Quando ocorre uma morte em nossa família
já ficamos extremamente tristes, imaginem saber que tal morte
poderia ter sido evitada e só não foi porque o atendimento ocorreu
pelo Sistema Único de Saúde.
Outro aspecto interessante
nos tempos atuais é a ausência cada vez maior dos chamados médicos
“clínicos gerais”. Esses profissionais são muito importantes,
pois possuem uma visão muito abrangente em vários campos, não
sendo especialistas em nenhum deles, porém tendo o mínimo
necessário para detectar certas doenças, assim, podendo encaminhar
o paciente para o especialista correto. Na falta do “clínico
geral”, o paciente com problemas no estômago, por exemplo, poderá
ser atendido, em sua primeira consulta para tentar descobrir sua
doença, por um cardiologista, que porventura, poderá ignorar
aspectos relacionados ao estômago. Dessa maneira, pode ocorrer a
indicação de medicamentos inadequados.
Muitos profissionais da saúde
também não gostam de ser contestados. Muitas pessoas já passaram
pela situação de, inclusive, levarem um “pito” de determinado
médico, pelo simples fato de dar uma sugestão de tratamento
alternativo que ouviu falar ou que pesquisou na internet, tendo de
ouvir frases do tipo “o médico aqui sou eu”, “não confia no
meu trabalho?”, “isso é coisa sem fundamento”, entre outras do
tipo. “A arrogância e a falta de abertura para com técnicas
alternativas é uma característica comum da medicina contemporânea”.
(DUPAS, 2012, p. 203). Os pacientes pouco são ouvidos. Eles que
estão enfrentando um problema de saúde e precisam participar
ativamente das decisões, as quais, afetam diretamente sua vida. Até
que ponto, por exemplo, vale a pena manter um paciente “morto-vivo”
na UTI? Até que ponto vale a pena submeter um paciente a tratamentos
longos e dolorosos, obrigado a permanecer em um leito de hospital,
com seu corpo disponível vinte e quatro horas por dia, pronto para
intervenções sem sessar? “É preciso perguntar a todos os
pacientes nessa condição se ainda lhes interessa viver, se a
qualidade de vida que levam vale a pena. Essa é uma escolha que só
o indivíduo em causa pode fazer; ninguém deve estar autorizado a
fazer por ele, nem a equipe médica mais qualificada”. (DUPAS,
2012, p.2012).
O processo de globalização foi
muito importante em muitas áreas, inclusive na medicina, obviamente,
no entanto, há que se refletir até que ponto os progressos da
medicina valem a pena. Além disso, a saúde não deveria ser
banalizada, dando espaço para grandes empresas lucrarem absurdos por
conta da enfermidade das pessoas. O ser humano deve estar acima de
tudo. Deve ser respeitado, independente do seu estado de saúde, e
deve participar de todas as decisões que dizem
respeito a si mesmo, com o mínimo de dignidade, tão necessária e
tão ausente atualmente.
CRÉDITOS:
Referência Bibliográfica:
DUPAS, Gilberto. O mito do progresso ou progresso como ideologia.
São Paulo: Editora Unesp, 2012.
É triste como aluno, ver que alguns colegas dizerem que querem ser médicos, apenas pelo salário. E o pior nem ao menos se dedicarem aos estudos para mostrarem que tem "condições" de ingressarem nesta carreira.
ResponderExcluirAss:Vitor